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Sentença - Dano Moral - Demora Reembolso - Passagem Aerea.
consumidor
Adv. Renato Dantas

13/06/2022

Número: 8011782-69.2021.8.05.0080

Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

Órgão julgador: 6a V DE FEITOS DE REL DE CONS. CÍVEL E COMERCIAIS DE FEIRA DE SANTANA

Última distribuição : 09/08/2021

Valor da causa: R$ 13.813,61

Assuntos: Indenização por Dano Moral

Segredo de justiça? NÃO

Justiça gratuita? SIM

Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM

Partes Procurador/Terceiro vinculado

L. M. D. S. R. (MENOR) RACHEL SANTOS LOBO registrado (a) civilmente como

RACHEL SANTOS LOBO (ADVOGADO)

VINCENT MAX ROGER RHOER STENKER (AUTOR) RACHEL SANTOS LOBO registrado (a) civilmente como

RACHEL SANTOS LOBO (ADVOGADO)

TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES SA (REU) GILBERTO RAIMUNDO BADARO DE ALMEIDA SOUZA

(ADVOGADO)

Ministério Público do Estado da Bahia (TERCEIRO

INTERESSADO)

Documentos

Id. Data da Documento Tipo

Assinatura

20196 26/05/2022 17:42 Sentença Sentença

1957

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

6a V DE FEITOS DE REL DE CONS. CÍVEL E COMERCIAIS DE FEIRA DE SANTANA

 
SENTENÇA

Vistos, etc.

Trata-se de Ação de Indenização por danos morais e materiais ajuizada por LIS MARIE DA SILVA RHOER , legalmente representada por seu genitor VICENTE ROGER RHOER STENKER , em face de TAP-TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES S/A .

Alega a parte autora que, adquiriu passagens aéreas de ida e volta em 04/12/2019, saindo de Salvador com destino à Alemanha - bilhete eletrônico nº 047-2176503345, código de reserva: LTI4HK -, no valor de R$ 3.813,61 (três mil oitocentos e treze reais e sessenta e um centavos), com intuito de visitar a sua genitora que estava doente.

Afirma que o embarque estava previsto para 23/06/2020, mas com a pandemia de COVID-19, o voo foi cancelado, sendo disponibilizadas duas opções, quais sejam, a remarcação sem custos ou o reembolso integral.

Ressalta que, diante da crise sanitária mundial que foi se agravando, optou pelo reembolso da quantia e, diante disso, passou seis meses tentando entrar em contato com a acionada, através dos canais de atendimento, não logrando êxito, passando ao contato via e-mail, em 21/06/2021, o que gerou o protocolo de atendimento nº 2021-0001292571.

Pontua que, após o envio da correspondência eletrônica recebeu uma ligação da requerida informando que não fariam o reembolso, em virtude de já ter ultrapassado o tempo de solicitação, que seria em 23/06/2021. Assim, pugnou, inicialmente, pelo deferimento da tutela para que a acionada devolvesse o valor gasto com a passagem; e, ao final, a procedência da ação com a condenação da parte ré a quantia de R$ 3.813,61 (três mil oitocentos e treze reais e sessenta e um centavos) por danos materiais e R$ 10.000,00 (dez mil) de danos morais.

Instruiu a inicial com procuração e documentos em ID 125816810.

Decisão que determinou a análise da tutela após a triangularização processual em ID 178272917.

Devidamente citado, o acionado defendeu-se em ID 181874648, alegando, no mérito, que o cancelamento do voo operou por motivos alheios à sua vontade, em decorrência de proibição do governo pelo COVID-19, bem como informou que já houve reembolso parcial do valor pago pela reserva, em voucher , estando o remanescente em processamento, e que, em razão da pandemia os processamentos dos pedidos tem demorado mais tempo que o costumeiro. Impugnou os danos morais pleiteados, requerendo a total improcedência da ação.

Réplica em ID 185941116.

Intimados para especificarem provas a produzir, manifestaram-se no sentido do julgamento antecipado (IDs 191030352 e 193969858).

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

O feito comporta o julgamento antecipado, nos termos do art. 355, I do Código de Processo Civil.

Inicialmente, cumpre assinalar que se aplicam ao caso as disposições constantes no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), pois as partes enquadram-se na definição legal de consumidor (art. 2º) e de fornecedor de serviços (art. 3º).

Consequentemente, aplica-se ao caso o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe que:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. (g.n.)
Trata-se de exame de responsabilidade objetiva, cujos requisitos para a sua configuração são o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade. É dizer, a empresa aérea responde objetivamente por eventuais danos causados ao consumidor, independentemente da comprovação de dolo ou culpa.

Feitas essas considerações iniciais, examino a questão controvertida, que reside em saber se os serviços contratados foram devidamente prestados pela ré.

A lei consumerista, ao tratar da possibilidade de inversão do ônus da prova em face da hipossuficiência do consumidor, não se refere somente à hipossuficiência no sentido meramente financeiro (ou material), como sinônimo de pobreza, mas às situações em que o acesso aos meios de provas, pelas circunstâncias da causa, é inviável ao consumidor.

Assim, conclusão outra não se infere, senão a de que, na relação consumerista objeto da presente demanda, o ônus de provar que não houve o defeito no serviço imputado pelo autor recai sobre a ré.

Acontece que, extrai-se da contestação que não houve o reembolso integral do valor da passagem aérea. Vejamos:

"Inicialmente, cumpre destacar que, conforme indicado pelos Autores em exordial, em razão do cancelamento dos voos, o qual decorreu da pandemia, já houve reembolso parcial do valor pago pela reserva em voucher estando o valor remanescente ainda em processamento". (fl. 15, ID 181874648).
In casu , a parte ré confessa a falha na prestação do serviço quando deixou de ressarcir os autores materialmente pela passagem comprada.

Nesse ínterim, faz-se devido a indenização do dano material no valor da passagem, qual seja, R$ 3.813,61 (três mil oitocentos e treze reais e sessenta e um centavos ), sendo cancelado o voucher com metade do valor que foi fornecido pela acionada, sob pena de cair no enriquecimento ilícito da parte autora.

Inobstante, referente aos danos morais, como é cediço, nem toda conduta ilícita está apta a justificar esta reparação indenizatória. Deve ela deter gravidade suficiente para gerar transtornos que superem a barreira do mero aborrecimento.

No que se refere aos danos de natureza moral, SÉRGIO CAVALIERI FILHO (in Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2009, p. 83), ao discorrer sobre o tema, assinala que:

(...) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral (...).
Conquanto, debruçando-me sobre o caso em comento, algumas considerações devem ser feitas.

Não se está a discutir aqui eventual reparação pelo cancelamento do voo decorrente da crise sanitária de COVID-19, posto que os Tribunais são uníssonos em reconhecer a falta de culpabilidade das empresas aéreas nesses casos.

Nesse sentido, a jurisprudência para ilustrar:

APELAÇÃO - AÇÃO INDENIZATÓRIA - TRANSPORTE AÉREO NACIONAL - CANCELAMENTO DE VOO - PANDEMIA - COVID-19 - REACOMODAÇÃO - DANOS MORAIS - I - Sentença de improcedência - Recurso do autor - II - Autor que celebrou com a empresa ré contrato de prestação de serviços de transporte aéreo nacional - Voo cancelado em decorrência da necessidade de reestruturação da malha aérea da ré em virtude da pandemia de covid-19 - Pandemia que impactou a atividade econômica mundial e a livre circulação de pessoas, com o fechamento de fronteiras e limitações de voos - Evento de força maior, a afastar a responsabilidade do transportador por eventuais prejuízos decorrentes do cancelamento, nos termos dos arts. 734 e 737 do CC - Ausência de ato ilícito por parte da ré em relação ao cancelamento/remanejamento do voo em decorrência da pandemia - Resolução n. 556/2020 da Anac que flexibilizou, em caráter excepcional e temporário, a aplicação de dispositivos da Resolução n. 400/2016, em decorrência dos efeitos da pandemia da covid-19 - Contrariamente à alegação do autor, a conduta adotada pela ré não é motivo suficiente para configurar a falha na prestação de serviços [...] (Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação Cível: AC 1000661-33.2021.8.26.0484, 24 Câmara de Direito Privado, DJe 20/04/2022, Relator (a) Salles Vieira).
Por certo, o que se busca é aferir se a falha na prestação de serviço da acionada em demorar para reembolsar a parte autora é capaz de atingir o dano a personalidade destes.

Pois bem. O dano moral relaciona-se diretamente com o direito à personalidade, cuja violação e prejuízo causado ao indivíduo se faz como motivação suficiente para ensejar uma pretensão resistida e o ingresso ao Judiciário, para compensação desse direito violado, nos termos do art. art. 5º, V e X, da Constituição Federal e art. 6º, VI, do CDC.

Com efeito, o caso dos autos em que os autores estão em espera por quase dois anos para reaver a importância dada para compra das passagens, foge à esfera do mero dissabor.

A jurisprudência caminha nesse sentido:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. PASSAGEM AÉREA ADQUIRIDA E CANCELADA. DEMORA INJUSTIFICADA NO REEMBOLSO. REEMBOLSO PARCIAL. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO EM R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS). SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. Recurso provido. (TJPR - 2 Turma Recursal - 0009293-22.2015.8.16.0021 - Cascavel - Rel.: Juiz Siderlei Ostrufka Cordeiro - Rel. Desig. p/ o Acórdão: Juiz Marcelo de Resende Castanho - J.20.02.2017).

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO. CANCELAMENTO INDEVIDO DE PASSAGEM AÉREA. DEMORA NO REEMBOLSO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO DE FORMA PROPORCIONAL E RAZOÁVEL. DANO MATERIAL DEVIDO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 3 Turma Recursal em Regime de Exceção - 0001722.65.2015.8.16.0182/0 - Curitiba - Rel.: Fernanda Bernert Michelin - - J. 20.11.2015).
No que se refere ao quantum indenizatório, em homenagem à capacidade econômica das partes e atendendo às circunstâncias fáticas do caso concreto (gravidade, repercussão do dano, reprovabilidade da conduta, efeitos compensatório/punitivo/preventivo), entendo compatível para o caso aqui tratado o arbitramento nos patamares de R$ 6.000,00 (seis mil reais).

Ante todo o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação, para o fim de CONDENAR a ré ao: a) pagamento de R$ 3.813,61 (três mil oitocentos e treze reais e sessenta e um centavos), por danos materiais, corrigido pelo INPC, desde o desembolso, e acrescido de juros moratório de 1% ao mês, desde a citação, com o consequente cancelamento do voucher parcial emitido em favor da promovente; b) pagamento de R$ 6.000,00 (seis mil reais), por danos morais, montante este que deverá ser corrigido monetariamente a partir do arbitramento e acrescido de juros de 1%.

Imponho à ré o pagamento das custas processuais, bem como honorários advocatícios à parte adversa, que ora fixo em 20% sobre o valor da condenação, considerando o trabalho desenvolvido, o grau de zelo e cuidado com a causa.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

FEIRA DE SANTANA/BA, 26 de maio de 2022.

REGIANNE YUKIE TIBA XAVIER

Juíza de Direito